sábado, 30 de outubro de 2010

Cinco grandes desafios na saúde a serem enfrentados pelo futuro presidentes do Brasil

Gilson Carvalho [1]

Tentando fazer uma síntese e contribuir para o debate, apresento abaixo os 5 grandes desafios na área de saúde. O novo Presidente do Brasil, a ser eleito em 31/10/2010, terá que enfrentá-los , principalmente, superá-los.

1. SUBMISSÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ÀS LEIS DA SAÚDE.
“Ter a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei”
Parece óbvio, mas, não é real que os administradores transitórios da coisa pública, do Presidente ao aprendiz-estagiário, todos só podem fazer aquilo que está explícito na lei. De tão pressupostamente óbvio, ninguém vigia se isto está acontecendo. Nem os órgãos de controle interno, nem externo, nem o Ministério Público e nem o Judiciário. A lei do SUS é reconhecida, no mundo inteiro, pela excelência da conteúdo e pelo avanço de uma visão futurística de processo de conquista. O que menos fazem governantes, seus agregados (como tem!) e auxiliares é cumprir a legislação. Podem até alardear seu cumprimento, mas descumprem-na à sorrelfa! (Lembrem-se dos processos licitatórios!) Falam alguns que o SUS não deu certo e temos que fazer a reforma da reforma sanitária! Não tenho medo de nenhuma mudança de rota, discutida e sacramentada com a sociedade e no parlamento, já lutei por várias delas, na linha de frente. Tenho, entretanto que alertar que não mudamos o que ainda não aconteceu, nem foi tentado, mesmo que legalmente obrigatório que assim fosse. Temos que tirar o SUS da CF e das Leis e colocá-los em portarias legais, até para saber se ele dá conta do recado de garantir saúde-bemestar-felicidade a todos os cidadãos brasileiros.

BUSCA DE MAIS RECURSOS FEDERIAS E ESTADUAIS PARA A SAÚDE.
“Mais que discursos, planos e propostas mirabolantes o caminho do dinheiro até seu uso final, indica a política priorizada e praticada”.
Lamentavelmente, na época da constituinte o parlamentar que chefiava a equipe que tratava da ordem econômica, em vários contatos de que participei entre muitos, impediu que se definisse o quantitativo de recursos para a saúde. Mais tarde em 2000, feito Ministro da Saúde, ressuscitou o projeto ( de 1993) do Eduardo Jorge, médico sanitarista, deputado federal por São Paulo, que obrigava a União a aplicar em saúde, no mínimo 30% do Orçamento da Seguridade Social e 10% dos recursos fiscais. Para Estados e Municípios os mesmos 10% de suas receitas próprias. Infelizmente foi apenas a fachada da PEC do Eduardo Jorge, uma utilização para legitimação. Por pressão do governo FHC-MALAN em 2000, o que se aprovou, foi menos da metade destes recursos e não mais baseado na receita, mas na variação do PIB. Isto equivaleu a que, tomados os recursos federais, per capita, entre os anos de 1995 e 2008 o maior valor tenha sido o de 1999, um ano antes da aprovação da EC-29! Governo pressionou o Parlamento a aprovar uma nova redação do projeto que adulterou a idéia inicial. Desresponsabilizou-se a União em mais da metade dos recursos previstos e onerou-se Estados em 20% (de 10% para 12%) e Municípios em 50% (de 10% para 15%).
Existe um subfinanciamento grave principalmente praticado pelos Estados e pela União. Entre 2000-2008 a União ficou devendo (ainda deve) , cerca de R$20 bi (corrigidos) por descumprimento da EC-29 inclusive contando recursos de restos a pagar cancelados, condenado pelo TCU e MPF. O conjunto dos Estados, deve, entre 2000 e 2008 cerca de R$27 bi corrigidos. E os municípios, a cada ano, gastam mais com saúde que o mínimo prescrito de 15%. A média a mais chega a 20% o que equivale a 30% acima dos mínimos. Em 2009 colocou cerca de R$11 bi a mais que o mínimo!
Só isto seria suficiente? Não. Mesmo que a União cumpra com os mínimos é necessário repactuar os valores federais. Estas propostas de repactuação estão no parlamento desde 2003, o que demonstra que executivo e legislativo se completam neste pacto de desfinanciar a saúde. A situação acompanhando o governo que não quer gastar mais com saúde e oposição se opondo ao melhor financiamento da saúde para complicar a vida do governo. Dentre os projetos de regulamentação da EC-29 que pode dar mais recursos federais para a saúde, existe o já aprovado no Senado e objeto de desejo da Conferência Nacional de Saúde, do CNS, do CONASS e do CONASEMS. O projeto aprovado no Senado é melhor para a saúde (10% da Receita Corrente Bruta) e o da Câmara, bancado pelo Governo e defendido pela maioria dos parlamentares da situação, pode acrescentar apenas mais 4 bi (ainda que vá buscar na sociedade cerca de 13,5 bi de uma possível nova Contribuição Social para a Saúde - CSS) ou perder mais de 6 bi.
Os Estados têm que colocar mais recursos na saúde. Tem Estado cumprindo apenas menos da metade dos recursos mínimos constitucionais e outros cerca de 1/3. A luta é para que eles cumpram a lei existente deixando de gastar dinheiro de saúde para pagar atividade de previdência (aposentadorias); saneamento (condicionante da saúde, mas não ação de saúde); serviços de saúde próprios de seus funcionários (quebra da universalidade) e outras questões menores.

O MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE: FOCO NOS PRIMEIROS CUIDADOS DE SAÚDE
“Toda vez que não prestamos, de maneira eficaz e efetiva, os primeiros cuidados com saúde, impingimos às pessoas mais sofrimento físico e moral e ao sistema maiores custos.”
Os primeiros cuidados com saúde sempre começam pelas primeiras queixas das pessoas, de forma emergencial ou de rotina. Mais tarde se juntou a isto a idéia de fazer puericultura com acompanhamento de crianças aparentemente sadias, pré-natal, vacinação, aleitamento materno, prevenção e diagnóstico precoce de hipertensão e diabetes, saúde do trabalhador etc. Estes são os principais primeiros cuidados com saúde ao qual se somam as urgências-emergências traumáticas ou não. Esta parte da saúde precisa ter precedência, destaque entre os demais cuidados, sem a visão maniqueísta de cancelar uma para garantir a outra com investimento financeiro e humano.
O novo modelo de fazer saúde é investir mais recursos na Atenção Básica. Isto não pode ficar no discurso, nos programas. Tem que sair para a prática abundantemente. Investir nas atividades de promoção da saúde (mexer com as causas dos problemas de saúde), de proteção da saúde (trabalhar os riscos do adoecer com medidas específicas como vacinas, exames preventivos, uso do flúor, uso de equipamentos de proteção individual e outras muitas ações) e cuidar dos que necessitam quando adoecem e não se conseguiu fazer com que não adoecessem. Gasta-se pouco nesta área (cerca de apenas 20%) dos gastos com saúde e ainda gasta-se, reconhecidamente mal, como em todas as áreas de saúde inclusive no público e no privado.

TRABALHADORES DA SAÚDE
“Os trabalhadores de saúde são, atualmente, o maior problema do Sistema de Saúde, mas, sabidamente a única saída passa por eles, o cerne e a alma de qualquer sistema de saúde.”
Tem-se que investir na força de trabalho de saúde. Trabalhar com a equipe multiprofissional de saúde, em equipe, a favor do cidadão. Isto implica num trabalho de formar melhor os profissionais nas universidades e escolas técnicas e aprimorar o conhecimento daqueles que já estão na rede de serviços de saúde.
Existem distúrbios na formação e conhecimento técnico dos profissionais, na formação humana e no compromisso dos profissionais com a sociedade. De outro lado os empregadores públicos e privados devem garantir condições de trabalho e salário e educação permanente para os trabalhadores de saúde. A área básica, dos primeiros cuidados com saúde exige mais e melhor conhecimento de saúde, ainda que as pessoas imaginem que sejam as áreas especializadas, que trabalham com alto custo e aparelhos, exijam mais conhecimentos. As especialidades ao se louvarem nos aparelhos e na limitação do campo do saber, geralmente são mais valorizadas pela sociedade.
Os profissionais de saúde, em sua quase totalidade, não têm, nem usufruem de um plano de cargos, carreira e salário, ainda que a Lei 8142 desse o prazo de dezembro de 1992 para que todos estados e municípios fizessem seu plano. Confirma-se assim, mais uma vez, o virtual do cumprimento da lei. Não fizeram, não fazem e nada acontece.
Quem assumir a Presidência da República tem que investir mais nos profissionais de saúde, com PCCS, melhores condições de trabalho e salário e educação permanente. Esta é a primeira condição para fazer os cuidados de saúde melhorarem em quantidade e qualidade.

PARTICIPAÇÃO DO CIDADÃO
“Resolver os problemas de saúde do cidadão é a razão de ser do sistema. Tem-se que centrar o sistema no cidadão e incentivar que dele participe como dono e proprietário do Sistema.”
Neste tema estamos nos perdendo. Podemos enxergá-lo sob duas óticas. A primeira é dar espaço ao cidadão para que ele seja mais ativo em relação a seus cuidados com saúde, que receba informação devida e que possa ter autonomia em suas decisões. Deixar da visão que o conhecimento de saúde de profissionais e serviços seja único e soberano. As pessoas precisam participar mais nos seus cuidados, na sua promoção, proteção e recuperação da saúde. Uma das obrigações, também dos governos, é estimular esta responsabilidade individual e coletiva com saúde.
A segunda ótica da participação da comunidade na saúde são os Conselhos e Conferências de Saúde. Uma rede de espaços para que as pessoas possam participar através de proposições e do controle idéia mestra que iniciamos na saúde já no período pré-constitucional em 1983 com as Ações Integradas de Saúde. Os Conselhos precisam assumir seu papel constitucional e legal tanto de participar na proposição dos planos de saúde que devem ser ascendentes, como no controle das ações e serviços de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros. O Conselho é obrigado a acompanhar e fiscalizar o Fundo de Saúde onde devem ser aplicados todos os recursos financeiros da saúde.

Considero estes os cinco, os maiores desafios para o novo Presidente do Brasil.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A Judicialização dos Medicamentos e Procedimentos no SUS

Conselho Municipal de Saúde de Joinville promove evento sobre a Judicialização dos Medicamentos e Procedimentos no SUS.

De acordo com a deliberação da 8ª Conferência Municipal de Saúde de Joinville, o Conselho Municipal de Saúde, com auxílio do Poder Judiciário e o apoio da Sociedade Joinvilense de Medicina, Ordem dos Advogados do Brasil e dos Conselhos Regionais de Medicina e Farmácia, convida os conselheiros de saúde e comunidade para participarem do Seminário que discutirá o tema: Judicialização dos Medicamentos e Procedimentos no SUS. O objetivo é refletir sobre a recorrente procura dos cidadãos ao Poder Judiciário para garantir o acesso ao direito fundamental à saúde. O evento acontecerá no dia 21 de outubro de 2010, no Auditório da AMUNESC - Rua Max Colin, 1843 – Centro, das 17:00 horas às 20:30 horas.
Informações e inscrições:

Secretaria Executiva do Conselho Municipal de Saúde de Joinville
site:http://www.cmsjoinville.bemsul.com
e_mail:cms.joinville@gmail.com
Telefones: (47) 3431-4568 - 3431-4596

Secretaria Executiva do Conselho Municipal de SaúdeRua Itajaí, 51 - 3º andar - Centro - Joinville - SC
Contatos: (47) 3431-4596 - fax.:(47) 3431-4568

sábado, 2 de outubro de 2010

Impactos econômicos das doenças crônicas e saúde pública no Brasil

O doutor Gilson Carvalho é pediatra, especialista na área de saúde pública e consultor do CONASEMS (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde). Em meio à toda polêmica envolvendo os planos de saúde atualmente, ele concedeu uma entrevista ao Portal Reumatoguia falando sobre a situação da saúde no Brasil, o impacto econômico das doenças crônicas e perspectivas futuras. Segundo doutor Gilson, o modelo de saúde que se desenha é um modelo cada vez mais dependente dos planos e seguros de saúde, pelo menos para aqueles que puderem pagar.

Você é pediatra e especialista em saúde pública. A situação da saúde no Brasil é um assunto recorrente, ainda mais agora que estamos em pleno período de eleição. Você poderia esclarecer um pouco mais de que forma o governo brasileiro está comprometido com questões relacionadas à prevenção e tratamento de doenças crônicas? A OMS, em 2005, lançou uma pesquisa minuciosa sobre o impacto dessas doenças principalmente em países em desenvolvimento. Em que sentido o Brasil vem fazendo sua parte?
As pesquisas junto à população têm colocado a saúde como uma das prioridades na visão dos cidadãos. Nesta hora, pesa muito a insuficiência de serviços de saúde representada pela fila física e pela fila virtual, em que se espera em casa por uma internação, uma cirurgia, um procedimento de alta complexidade.
O compromisso assumido na Constituição Federal de garantir o direito de todos à saúde nem sempre vem sendo cumprido pelos governantes de plantão nas três esferas de governo. É evidente que a responsabilidade pelo déficit da saúde é maior para o Governo Federal, única esfera de que pode arrecadar para a saúde. A União deve para a saúde, desde o ano 2000, cerca de R$ 20 bilhões por descumprimento dos mínimos constitucionais. Em segundo lugar, há o descompromisso dos Estados que, no mesmo período, deixaram de gastar com a saúde cerca de R$ 27 bilhões. Os Municípios vêm gastando 30% a mais que o mínimo e não podem sustentar o SUS de maneira isolada quando a responsabilidade é das três esferas de governo.
Além do baixo investimento em saúde existe a questão da qualidade deste investimento. Não gastamos o pouco dinheiro da melhor forma. Temos perdas por usar um modelo de fazer saúde indevido, baseado no tratamento de doentes e pouco nas questões de promoção e proteção à saúde.
Em relação às doenças crônicas, sua prevenção e tratamento precoce, temos conseguido fazer muito pouco. Precisamos investir mais.
Outra questão é sobre a participação do cidadão na promoção, prevenção e tratamento das doenças que o acometem. Ainda temos uma cultura errada. Jogamos no Estado e nos outros a responsabilidade e culpa de nossos achaques e não nos empenhamos para fazer a nossa parte. A lei de saúde é clara ao afirmar que o dever do Estado de garantir a saúde não pode prescindir da participação dos indivíduos, das famílias, das empresas e da sociedade.

Você quis dizer que quem sustenta o SUS hoje são os municípios?
Segundo um estudo meu, em 2009, os municípios gastaram 19,5% de seu orçamento em saúde. O mínimo a ser gasto seria 15%. Eles estão gastando 30% a mais que o mínimo.
O maior volume de dinheiro é federal porque, constitucionalmente, é a única esfera de governo que pode arrecadar recursos para a saúde. Estados e municípios retiram dinheiro de sua própria receita para investir nesse item.
Na arrecadação, depois das transferências federais para Estados e Municípios e de Estados para Municípios, a União fica com 60%, Estados com 24% e Municípios com 16%.

Existe uma estimativa de quanto o governo (incluindo as três esferas) poderia economizar se investisse em prevenção?
Há um cálculo sempre citado, mas do qual não tenho a fonte, que diz que, para cada R$ 1 usado em prevenção, economiza-se R$ 3. Um dos candidatos ao governo de São Paulo afirmou isso no Jornal do Vale do Paraíba.

Por que é tão difícil mapear o impacto financeiro das doenças crônicas? E das doenças reumáticas crônicas? Até que ponto isso é realmente difícil ou tem sido deixado para um segundo plano?
Há dois caminhos para se conseguir esta informação. Primeiro: pesquisas específicas nos serviços de saúde para levantar o custo da atenção à saúde e estimativas de perdas econômicas. De outro lado tem-se que buscar estes dados no INSS entre os já existentes ou introduzir o estudo da perda em termos de dias perdidos por licença, aposentadoria precoce ou morte.

Por que não se faz isso de forma a obtermos um quadro detalhado da situação brasileira hoje?
Depende de uma decisão política de querer fazer esta e outras pesquisas o que também demanda recursos.

Sabemos que muito tem sido descoberto em relação a como atuam as doenças crônicas, formas de prevenir, novas opções de tratamentos estão surgindo nos grandes centros de estudo. Enquanto isso, na outra ponta, temos uma população que tem dificuldades para ser diagnosticada, de fazer exames nos postos de saúde. O que se tem pensado como solução para diminuir essa imensa distância que há entre as pessoas comuns e os grandes avanços científicos?
Este quadro vem mudando nos últimos 20 anos. Os diagnósticos se tornaram melhores e as fisiopatologias de muitas doenças foram descobertas, entre elas as de varias doenças crônicas. Foram sendo introduzidos vários medicamentos de desenvolvimento mais recente, denominados de medicamentos de especialidades e de alto custo. O problema não é o simples acesso a medicamentos modernos e mais caros. Tem nos faltado o uso de critérios mais científicos (Medicina Baseada em Evidências) no uso e prescrição de medicamentos desde os mais baratos aos mais caros. Não só nesta especialidade, mas nas doenças e agravos em geral. É um desafio que doentes e profissionais não sejam dominados pelos interesses econômicos da indústria e comércio de medicamentos.

O mesmo relatório da OMS citado acima diz que os diversos setores, estatais e privados, devem contribuir para a prevenção e controle das doenças crônicas. Qual seria o papel a ser desempenhado por cada um desses personagens?
Como disse acima, a saúde sendo direito do cidadão e dever do estado não pode excluir a responsabilidade dos cidadãos, das famílias, das empresas e da sociedade. A consciência coletiva de saúde, das doenças e de como preveni-las ainda não está incorporada à mentalidade dos brasileiros. Todos podem ter atitudes de promoção e proteção à saúde: conhecendo o corpo, as doenças e agravos; alimentando-se melhor em quantidade e qualidade; tendo hábitos de higiene e cuidados com o corpo; protegendo-se contra as doenças e os acidentes; responsabilizando-nos nos cuidados com aqueles que de nós dependem como as crianças e os idosos. Nada ou muito pouco pode ser feito pelos serviços de saúde públicos e privados se não houver adesão e participação de cada cidadão.

Que tipo de problemas provavelmente enfrentaremos no futuro pela falta de investimentos em saúde pública no presente?
Vamos enfrentar uma série de doenças crônico-degenerativas cujas consequências poderíamos ter evitado ou minimizado. É importante que se gastem mais recursos e se tenham atitudes positivas de prevenção. Que fique claro que não depende exclusivamente dos governos que, não só na área da saúde mas em outras, não pode fazer nada sem a participação das pessoas.

Você acha que a tendência é ficarmos cada vez mais dependentes dos planos de saúde? Qual é o modelo de saúde que se desenha para o futuro?
Enquanto o SUS não tiver recursos suficientes e não for mais eficiente ele não dará conta de atender bem toda a população. Vão migrar para os planos os que têm renda e, no desespero, aqueles que não têm renda, mas desejam um tratamento diferenciado que imaginam encontrar nos planos. Os dados de 2009 falam em 43 milhões de beneficiários dos planos. Imaginava-se, há 10 anos, que este número fosse de 60 milhões. Não aconteceu, exatamente pela baixa renda das pessoas e alto custo dos planos.
Minha visão de futuro – que é diferente de meu desejo e de meu esforço como cidadão e profissional de saúde – é de que sempre teremos os planos-seguros de saúde. A clientela será a que tem recursos ou trabalha em empresas que garantirão seus planos e para alguns que, mesmo sem dinheiro, farão o sacrifício e pagarão seus planos sem nem mesmo ter recursos.
O SUS depende de vários fatores para melhorar seu funcionamento. O SUS, para dar certo, precisa mexer na ineficiência do uso dos parcos recursos e evitar a perda por uso errado, mau uso e corrupção. Além disso, precisa mexer na insuficiência de recursos buscando mais dinheiro para se equiparar ao mínimo gasto por outros países com sistemas universais, tais como o brasileiro

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Seminário sobre Judicialização dos Medicamentos e Procedimentos do SUS.

Conselho Municipal de Saúde de Joinville promove evento sobre a Judicialização dos Medicamentos e Procedimentos no SUS.

De acordo com a deliberação da 8ª Conferência Municipal de Saúde de Joinville, o Conselho Municipal de Saúde, com auxílio do Poder Judiciário e o apoio da Sociedade Joinvilense de Medicina, OAB e dos Conselhos Regionais de Medicina e Farmácia, convida os conselheiros de saúde e comunidade para participarem do Seminário que discutirá o tema: Judicialização dos Medicamentos e Procedimentos no SUS. O objetivo é refletir sobre a recorrente procura dos cidadãos ao Poder Judiciário para garantir o acesso ao direito fundamental à saúde. O evento acontecerá no dia 21 de outubro de 2010, no Auditório da AMUNESC - Rua Max Colin, 1843 – Centro, das 17:00 horas às 20:30 horas.

Informações e inscrições:

Secretaria Executiva do Conselho Municipal de Saúde de Joinville
site:http://www.cmsjoinville.bemsul.com
e_mail:cms.joinville@gmail.com
Telefones: (47) 3431-4568 - 3431-4596

domingo, 26 de setembro de 2010

UPAS: Fantasmas do Inamps ou ameaças de retrocessos?


MARIA FÁTIMA DE SOUSA

Escrevo este artigo para relembrar as forças vivas do chamado movimento pela Reforma Sanitária Brasileira, que há três décadas, estavam todas unidas acima de qualquer posição partidária em defesa da democratização plena da saúde e dos processos de reorganização do sistema, serviços e de suas ações. Nesse caminho era consenso a necessidade de extinção do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, que representava à época resistências a travessia nas pontes à construção do Sistema Único de Saúde (SUS). Todos, juntos, concordavam que se o INAMPS continuasse, seus fantasmas rodeariam o prédio do Ministério da Saúde, em forma de corpos mortos-vivos. Esses, do alto de suas experiências institucionais, capacitados em transitarem ano a ano entre governos e poderes, pautando o velho em forma de novo. Assim renascem, recriam-se e ampliam-se 500 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
As falas abaixo devem iluminar e educar atitudes de novos sujeitos, evidenciando para esses que é possível tomar atitudes firmes no presente, com bons exemplos do passado, para que possamos seguir com as forças vivas da sociedade, construindo o futuro do SUS, vejam: “No período que estive no INAMPS, pouco antes de sua extinção coordenada pelo Carlos Mosconi, eu atendia, na maior parte do tempo, a deputados e governadores, basicamente para auxiliar na aprovação de emendas parlamentares de obras e empreitadas e aumento do número de Autorização de Internação Hospitalar (AIH), geralmente com fins eleitorais”(GUEDES, apud FALEIROS, 2006, p. 147) ii. E quando o Itamar assume, o Henrique Hargreaves me comunicou que o presidente mandou me convidar para ser presidente do INAMPS. Aí eu disse: “olha, eu tenho dificuldade em aceitar, porque não sou favorável ao INAMPS. Eu gostaria de extinguir o INAMPS [...] Disse que o INAMPS era incompatível com o SUS e o Hargreaves me disse para explicar isso ao Presidente Itamar. Fui, expliquei, e mesmo assim, o Itamar Franco me convidou e imediatamente pediu que preparasse o ato de extinção do INAMPS. O líder do governo Roberto Freire escolheu Sérgio Arouca com relator. E aí conseguimos emplacar a morte do INAMPS. Mas o féretro foi dramático”, (MOSCONI, apud FALEIROS, 2006, p. 147) ii.
Esse ataúde continua no meio da estrada como uma grande pedra. A pedra que não dá passagem para os gestores compreenderem que nem todos os serviços são benéficos ou justificáveis. Alguns provocam malefícios, se não forem integrados pela Atenção Básica (AB) - Estratégia Saúde da Família (ESF), mediada por tecnologias de informação, educação e comunicação dentro das equipes, entre Atenção Básica e Especializada, sobretudo, entre as ESF, por meio dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e outros setores/segmentos da sociedade. Atitudes assim exigem planejamento entre os gestores do SUS, em redes integradas e regionalizadas para alocação apropriada de recursos de forma a olhar com o carinho merecido: (i) as necessidades de saúde de cada família e comunidade; (ii) o compartilhamento dos recursos (orientados pelo princípio da equidade e da justiça social); (iii) avaliar e monitorar mudanças/ganhos em saúde constantemente para garantir que as intervenções sejam efetivas e não provoquem qualquer prejuízo “imprevisto”. E esses fenômenos inesperados da natureza, são evitados quando contamos com as equipes do PSF funcionamento segundo a base que sustentam seus princípios organizativos.
Nessa direção, várias são as vozes que mencionam estar defendendo a expansão, com qualidade, da cobertura do PSF, inclusive para aprimorar o controle de endemias, onde informação, educação e orientação são fundamentais para reduzir a incidência e letalidade da malária, dengue, febre amarela, calazar, entre outras... repetem, veja só o caso de dengue. Tivemos quase 600 óbitos já em 2010. Basicamente pela falta de acesso oportuno a um serviço de saúde para orientar a hidratação, particularmente de crianças.
Portanto, faz-se necessário o compromisso dos governos para o fortalecimento da AB/ESF, sem nenhuma dúvida de sua relevância social-sanitária, pois já apresentou melhores resultados, a custos menores e com maior equidade em saúde. Já evidenciou melhorias na assistência ao pré-natal, parto e puerpério, e com isso a diminuição do número de crianças com baixo peso ao nascer; a redução da mortalidade infantil, especialmente a pós neonatal; menor número de anos de vida perdidos por suicídio; menor número de anos de vida perdidos, atribuídos a todas as causas com exceção de causas externas; maior expectativa de vida, essa com mais qualidade. Isso e mais todos nós já sabemos.
Sabemos mais que referência inapropriada aos especialistas leva a uma maior frequência de exames e mais resultados falsos positivos do que a referência adequada. Sabemos, ainda que, embora uma maior provisão de médicos na atenção primária esteja associada a uma melhor saúde nas populações, um maior número de especialistas não está em geral relacionado a melhores resultados. Se sabemos disso e mais, por que o país sente saudades do INAMPS? Insistem tanto em cuidar da doença, quando deveriam investir energias, inteligências e competências para cuidar da saúde! Já temos o caminho. Basta termos coragem de trilhar, radicalizando na universalização com qualidade do PSF, este voltando às origens na função sócio sanitária de coordenar redes integradas de saúde, mais efetivas, acolhedoras e humanas. Caso contrário, estaremos reproduzindo o passado em companhia dos seus fantasmas.
FÁTIMA SOUZA É Enfermeira, doutora em Ciências da Saúde, professora da Universidade de Brasília e coordenadora do Núcleo de Estudos de Saúde Pública da UnB.
ii FALEIROS, V.P. et al. A construção do SUS: histórias da reforma sanitária e do processo participativo. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

A falácia do discurso das partes em saúde: UBS, UPA, AMES, AMAS, POLICLÍNICAS, MUTIRÕES....


Gilson Carvalho

As eleições, a cada dois anos, nos assombram com suas falaciosas promessas. O período eleitoral, essencial ao debate democrático e com os candidatos, vira um tempo de falácias, aleivosias e mentiras deslavadas!

Certo dia me falaram de um grande marqueteiro político a quem se foi pedir ajuda para catapultar um candidato. Sua tônica era uma só: precisamos fazer PESQUISA QUALITATIVA. Fiquei empolgado com o grau de cientificismo do marqueteiro. Minha excelente impressão não durou muito tempo pois, já no momento seguinte ouvi a explicação de sua “pesquisa qualitativa”. Segundo ele, seus pesquisadores deveriam ouvir uma amostra significativa da população. A partir de suas respostas deveria ser construído o discurso do candidato. Quais os desejos, anseios e sonhos (qualitativa!!!) dos eleitores? Em seguida veio a recomendação ao candidato: “Feita a pesquisa, o candidato nunca pode dizer nem prometer nada que ali não conste. Discurso, panfleto, mídia: só devem falar que o candidato irá fazer o que querem e conste da pesquisa qualitativa!!!”

Vamos à questão saúde nesta campanha presidencial de 2010. O discurso político, mais uma vez, estará desfocado da defesa e garantia do direito a vida saúde de todos os brasileiros, a essência do SUS. O preceito constitucional tem como diretriz a integralidade da atenção com precedência das ações preventivas, sem prejuízo das ações assistenciais (CF198). Para que isto ocorra são necessárias várias frentes de trabalho: 1) o conteúdo da assistência enfocando a integralidade das ações de promoção, proteção e recuperação com prioridade para os problemas mais graves e de maior incidência; 2) precedência dos primeiros cuidados de saúde como porta de entrada no sistema usando o modelo de atenção básica como estruturante do sistema de saúde; 3) os profissionais, para fazerem estas ações têm que se constituir numa equipe multidisciplinar com plano de cargos, carreira e salário (Lei 8142, 4) e compromissos técnicos e humanos com a sociedade; 4) estruturação física e operacional de unidades de saúde que devem se interligar em rede: unidades básicas (UBS), de pronto atendimento (UPA), unidades de especialidades (UES, POLICLÍNICAS ou AMES), unidades hospitalares (Hospitais Gerais ou Especializados).

Aí começa a briga vesga da política partidária. Existem dois erros fundamentais: o foco em unidades físicas financiadas e estimuladas pelo governante de plantão; o foco “numa determinada parte do sistema” e o desleixo com o sistema único e cuidador do todo, da integralidade. Não se trata de fazer Unidades Básicas de Saúde - UBS em contraposição às Unidades de Pronto Atendimento – UPAS; Unidades Médicas de Especialidades – AMES versus Policlínicas; cirurgias eletivas de rotina versus mutirões de saúde.
O Sistema Único de Saúde – SUS deve ter completude e não exclusividade de algum de seus pedaços. Não se trata de um “mosaico partido”, mas, de um todo integrado de partes que fazem uma interface e se completam com num intricado quebra cabeças onde as peças sozinhas pouco ou nada significam.
O SUS tem uma porta de entrada que são os primeiros cuidados de saúde (Atenção Básica, Primária feita nas residências, nas comunidades, nas Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Saúde da Família. Estes primeiros cuidados têm, obrigatoriamente de desenvolver (CF 196) atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde. A organização da execução destas ações se faz pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde – PACS; Programa de Saúde da Família (Saúde em Casa, Saúde no Lar, Médico em Casa etc.); Unidades Básicas de Saúde - UBS; Unidades de Pronto Atendimento – UPAs. Em seguida, e concomitantemente outros níveis de atenção nas Unidades de Urgência-Emergência mais complexas, nas Policlínicas de Especialidades, nas Unidades de Assistência Médica de Especialidades – AMES. Finalmente na hierarquia da complexidade dos serviços hospitalares gerais e especializados.
Outra questão é a necessidade ou não de serem feitos procedimentos cirúrgicos no ritmo e modelo de mutirões. Por vezes temos necessidades de fazer intensivamente uma ação como vacinação em massa o que ocorreu com o H1 N1. Ou algum outro procedimento para acertar uma demanda reprimida contingencialmente. Entretanto, é essencial que se entenda que dia e hora de vacinar é na rotina do dia a dia, tanto para crianças como adultos. Hora e dia de se fazer uma cirurgia é na rotina da necessidade emergencial ou eletiva e não esperando que sejam negadas de início e depois se faça um mutirão para atender a demanda reprimida, com autorização centralizada em Brasilia.
Não nos iludamos com mutirões. Para que seja necessário o mutirão é preciso que seja precedido dum ato de violência qual seja o de negar o procedimento no momento que há necessidade dele. Isto chega a beirar ato de cinismo administrativo!
A explicação dos governos para a necessidade de mutirão é o desinteresse de hospitais, e profissionais para fazê-los na rotina. É uma explicação que só convence a incautos. Como muda o interesse de hospitais e profissionais para fazerem os mesmos procedimentos em regime de mutirão? Os procedimentos têm possibilidade de serem feitos se liberado o credenciamento para fazê-los e se forem pagos de maneira justa em preços e prazos. No mutirão abrem o credenciamento e pagam por tabela diferenciada um valor a mais que na rotina. Aí conseguem hospitais e profissionais. Por que não fazê-lo no dia a dia da necessidade: mais credenciamento e melhor pagamento? Provoca-se o mal, estabelece-se o caos e depois surge a solução mágica do salvador da pátria: vamos fazer mutirão! A solução para o mutirão é abrir vagas na rotina para que nenhuma fila seja “produzida” para, ao depois se produzir a solução falsa! É falsa a contraposição entre ser contra ou a favor de mutirão. Falácia. A contraposição correta que deve ser feita é entre o mutirão possível no futuro e o atendimento agora, de acordo com a necessidade.
Mais uma questão: investir na construção de unidades de saúde, básicas ou emergenciais é a parte menos dispendiosa. O mais difícil e caro é manter estas unidades funcionando com sua maior capacidade. Este ônus de manutenção de serviços tem recaído sobre os municípios que têm menor arrecadação para a saúde. Os municípios é que têm mantido hoje a maioria dos programas ditos federais decantados pelos vários ministros da saúde e suas equipes, como ações do Ministério!
Por exemplo, podemos citar: o Piso da Atenção Básica – PAB quando implantado pela NOB-1996 pelo MS e executado pelos municípios era de R$12/hab e hoje, se corrigido pelo IGPM deveria estar em R$38/hab. Entretanto, hoje o MS transfere aos municípios R$18/hab/ano. A diferença (R$18 para R$38) é assumida pelos municípios!
Mais um exemplo. O Programa de Saúde da Família é mantido por uma equipe mínima inicialmente paga inteiramente pelo MS. Hoje a equipe de médico, enfermeiro, auxiliar/técnico e 4 a 6 agentes de saúde custa ao município no mínimo 20 mil reais e o Ministério da Saúde transfere apenas e tão somente R$6.400 por equipe! Com os valores referente à equipe de saúde bucal – Dentista e Auxiliar de Saúde Bucal acontece o mesmo. Os municípios recebem do Ministério da Saúde apenas R$2.000 e seus custo mínimo para os municípios é por volta de 10 mil mensais. O SAMU deveria ser mantido 50% pelo MS, 25% pelos Estados e 25% pelos Municípios. Na maioria dos lugares que implantaram o SAMU os municípios têm tido a despesa de quase 70% dos custos. Pior, as Unidades Avançadas de Suporte, que se associam ao SAMU estão sendo mantidas quase que exclusivamente pelos municípios.
Feitas as UPAS, as UBS, os AMES, as Policlínicas com o dividendo político de “fazer unidades”, construir, vem a parte mais dispendiosa que é manter estas unidades.
Não nos deixemos iludir pelas falácias eleitoreiras. Queremos um sistema de saúde com integralidade e que tenha espaços que se complementam com desenvolvimento de ações de primeiros cuidados, emergenciais, especializados e hospitalares com cirurgias e internações clínicas.

Mais uma vez, que assim seja!